Especialistas vêem o Sínodo como “o maior exercício de consulta da história humana”

No Sábado, as pessoas presentes eram na sua maioria leigos, sacerdotes e religiosos, com alguns países a nem terem bispos na ala sinodal.

Provavelmente sem o conhecimento da maioria dos católicos em todo o mundo, o Papa Francisco abriu oficialmente no sábado um processo de consulta global de dois anos, tudo parte de um Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade, que os participantes esperam que ajude a mudar radicalmente a forma como a Igreja Católica toma decisões.

“A minha expectativa é que uma nova forma de fazer as coisas, que nos permitirá ver a sinodalidade a ser vivida em todos os níveis da Igreja, esteja agora em andamento”, disse ao Crux a espanhola Carmen Peña Garcia, participante do Sínodo.

“O Sínodo não deve ser reduzido a este momento, a estes dois anos, porque a sinodalidade é um apelo à corresponsabilidade e à co-participação de todo o povo de Deus na vida e na missão da Igreja, sendo o baptismo a porta de entrada”, afirmou.

Durante o próximo ano, será lançada uma consulta a nível paroquial, com os fiéis a serem convidados a participar em sessões de diálogo. Em Março, haverá um encontro diocesano e nacional, seguido de um continental, com o processo, em princípio, a ser concluído em Outubro de 2023, com uma assembleia geral do Sínodo dos Bispos, a realizar-se em Roma em Outubro.

No Sábado, as pessoas presentes eram na sua maioria leigos, sacerdotes e religiosos, com alguns países a nem terem bispos na sala sinodal. Isto aconteceu porque o Gabinete do Sínodo do Vaticano tinha solicitado aos continentes que enviassem representantes, não a cada país individualmente, também devido às restrições provocadas pela COVID-19 nas viagens.

Alguns participantes tiveram que embarcar num processo de meses para obterem um sinal verde dos seus governos para voar para Roma, como foi o caso da leiga Susan Pascoe, da Austrália. (…) Ao voltar para casa, Pascoe terá que se isolar num hotel por duas semanas.

Membro da Comissão de Metodologia do Sínodo que trabalhou tanto para a Igreja australiana, quanto para o governo australiano, disse ao Crux que valoriza “a autenticidade do processo”.

“Vejo esperança neste processo e confio nele. Portanto, espero que outros católicos respondam ao convite feito pelo Papa para que participem”, indicou.

Foi feito um convite para que todos os baptizados participem, disse Peña Garcia, mas não se aplica apenas a essas pessoas, porque “a Igreja quer estar em diálogo com o mundo também”.

“Acho que temos de encorajar as pessoas a participar, para que não ouçamos apenas as vozes dos suspeitos do costume, mas, enfim, também há a questão do livre arbítrio!”, explicou.

Dirigindo-se aos que duvidam do processo, por temerem que possa acabar com tudo o que a Igreja ensina, Peña Garcia exortou as pessoas a “não terem medo”.

Outro membro da comissão teológica do Sínodo, o leigo Rafael Luciani, venezuelano que é professor na Universidade de Boston, argumentou que, no contexto atual, o sínodo tem dois componentes principais: foi convocado numa situação de crise e reforma necessária, e é não um sínodo sobre um qualquer tópico, mas sobre a própria Igreja.

“A sinodalidade é a essência e a identidade da Igreja, é a dimensão constitutiva que define o ser e o funcionamento da Igreja”, disse ao Crux.

“Aqui está em jogo uma reconfiguração da Igreja, quando se trata da forma como nos relacionamos como seres eclesiais, as dinâmicas comunicacionais como o diálogo, a escuta e o discernimento, e a maneira como as estruturas da Igreja devem responder à responsabilidade num contexto que é cada vez mais exigente”, referiu.

Agatha Lydia Natania, da Indonésia e membro do conselho da juventude do Sínodo, disse que muitas vezes a voz dos jovens não é ouvida na Igreja ou é desvalorizada.

“Espero mesmo que os jovens não sejam apenas ouvidos, mas realmente façam parte do processo”, disse a alguns jornalistas no Sábado, no final da sessão de abertura.

“Temos esta energia, e também uma certa criatividade, quando se trata de aproximar as pessoas. Muitos jovens estão a deixar a Igreja porque sentem que a instituição não os escuta”, afirmou.

O Sínodo, disse, é uma ferramenta importante para canalizar a vontade dos jovens de expressarem os seus pensamentos, especialmente a nível local.

O autor britânico Austen Ivereigh, biógrafo do Papa e uma das pessoas leigas que participaram na primeira sessão do Sínodo, disse que há uma “enorme lacuna” entre a enormidade da tarefa à frente e a “prontidão para tal enquanto Igreja”. Está convencido de que este pode ser o “maior e mais transformador evento” da dua vida, pelo menos desde o Vaticano II.

“Pode ser o maior exercício de consulta da história da humanidade. Mesmo assim, acho que ainda há poucos católicos cientes disso, e os bispos estão, na sua maioria, a passar despercebidos”, adiantou.

O facto de a maioria ainda não saber do Síndo, disse Ivereigh ao Crux, é expectável, porque a Igreja hoje não é sinodal e há muito pouca experiência sobre o que o processo acarreta fora das ordens religiosas.

“Acho que vai ser um começo lento, com muita incerteza e expectativas equivocadas. Mas acho que o Povo de Deus vai começar a dar conta disso, o Espírito Santo vai entrar em acção e de repente o processo vai descolar”, concluiu.

Artigo de Inés San Martín, publicado no Crux a 11 de Outubro de 2021.

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