Artigo de Austen Ivereigh, jornalista, escritor e biógrafo do Papa Francisco.
No início de Julho, em preparação para o que ficou conhecido como o “Sínodo sobre a Sinodalidade”, a Secretaria Geral da Comissão de Espiritualidade do Sínodo convocou uma reunião dos superiores das ordens religiosas em Roma. Na grande sala da Cúria Jesuíta, no Borgo Santo Spirito, estiveram reunidos os superiores gerais dos Jesuítas, dos Maristas, dos Claretianos, dos Eudistas e dos Salesianos, juntamente com o mestre dos Dominicanos, o vigário geral dos Agostinianos, o abade e primaz geral dos Beneditinos, e assim por diante, juntamente com os presidentes dos grupos de religiosos e religiosas em todo o mundo católico, sejam contemplativos, apostólicos ou carismáticos.
O objectivo da reunião? Partilhar experiências das muitas tradições diferentes de sinodalidade e de discernimento colectivo. Ou, numa linguagem mais simples, descobrir como as diferentes ordens tomam decisões, elegem lideranças e escutam o Espírito Santo a incitá-los a mudar.
Quando estive em Roma para o lançamento do Sínodo de 9 a 10 de Outubro, ouvi relatos desse encontro por parte de várias pessoas que estiveram envolvidas, entre elas a mulher que se tornou o rosto e a voz do Sínodo. O que o encontro mostrou, disse-me a Irmã Vaveriana francesa Nathalie Becquart, foi como cada uma das ordens desenvolveu diferentes mecanismos de deliberar como um só corpo e de chegar a um consenso – seja classicamente, na forma de “Capítulos Gerais” de mosteiros e conventos, ou como exercícios de discernimento em grupo, desenvolvidos, por exemplo, pelos jesuítas.
Muitos institutos religiosos tinham assembleias regulares, outros participavam em consultas antes da tomada de decisões, enquanto alguns combinavam práticas consultivas e deliberativas. A diversidade de métodos e tradições era enorme. No entanto, ao lado das linhas claras de autoridade e de obediência na maioria das ordens religiosas, havia dois elementos que todas pareciam ter em comum.
A sinodalidade exige que compreendamos que não possuímos a verdade, mas que, às vezes, quando deixamos de lado as nossas emoções e agendas, ela possui-nos, transbordando os canais estreitos do nosso pensamento.
O primeiro é que o discernimento e a tomada de decisão são assuntos de todo o corpo, não apenas dos poucos aos quais foi confiado o governo. No seu importante discurso sinodal de Outubro de 2015, o Papa Francisco citou uma antiga máxima: “Quod omnes tangit, ab omnibus tractari et approbari debet” (“aquilo que diz respeito a todos deve ser tratado e aprovado por todos”). E porque, como observa São Bento na sua regra do século VII, Deus às vezes fala através dos mais jovens da comunidade, possibilitar a participação significa prestar uma atenção especial às margens tímidas, aos lugares improváveis, às pessoas de fora.
O segundo é que esta questão da consulta e da deliberação não está separada da vida de oração, mas é-lhe intrínseca. O habitus da tomada de decisão comunitária é ouvir os outros com atenção, procurando os sussurros do Espírito até mesmo na boca das pessoas que ressentimos ou de quem discordamos. Isso exige, portanto, dar tempo a todos, em igual medida, para falar com honestidade e ousadia, mas sem martelar os outros com as nossas opiniões, para que seja possível um silêncio pacífico e aberto, de modo a que possamos escutar o que as palavras nem sempre dizem e muitas vezes podem ocultar. A sinodalidade exige que compreendamos que não possuímos a verdade, mas que, às vezes, quando deixamos de lado as nossas emoções e agendas, ela possui-nos, transbordando os canais estreitos do nosso pensamento.
Em suma, a participação e a escuta orante são as marcas do modus vivendi, operandi et cogitandi dessas ordens religiosas. Isto é sinodalidade. Tem sido usada para as eleições da Igreja desde que os apóstolos pediram a Deus que revelasse aos seus corações quem deveria tomar o lugar de Judas. Tem sido usada para transcender problemas e conflitos desde que a “questão judaica” ameaçou destruir a Igreja primitiva.
O capítulo 15 dos Atos dos Apóstolos relata como, no Concílio de Jerusalém, o povo, os anciãos e o Espírito estavam todos empenhados em discernir o novo caminho para a Igreja, anunciado por São Pedro com aquelas famosas palavras: “Decidimos, o Espírito Santo e nós”.
No entanto, por razões históricas – a corrupção do mundanismo, a sedução do poder, o emaranhamento com impérios –, a sinodalidade foi espremida para fora da Igreja, deixando as suas estruturas de autoridade a parecerem-se menos com aquelas que encontramos nos Actos e mais com as monarquias absolutas e as estruturas corporativas de comando-e-controlo do mundo moderno.
Ninguém precisa que lhe digam agora até onde é que isso nos levou. Na manhã do meu encontro com a subsecretária do Sínodo, a Ir. Nathalie, os jornais estavam cheios de histórias sobre o relatório de 2.500 páginas Jean-Marc Sauvé, encomendado pelos bispos franceses, que analisa os abusos sexuais clericais desde 1950. Os números eram surpreendentes e as manchetes e citações traziam os usuais adjectivos chocantes e embaraçosos, desgastados da repetição.
Os historiadores irão olhar para 2021, verão o acumular de escândalos e de disfunções, e irão contar como um Papa jesuíta – auxiliado por uma dinâmica Irmã missionária Xaveriana francesa – deu início a uma vasta reforma, centrada em redespertar a adormecida tradição católica da sinodalidade.
Mas fiquei impressionado com o momento da publicação do relatório, apenas alguns dias antes da abertura do Sínodo, e com a forma como se debruçou sobre aquilo que chamou de “sacralização excessiva da pessoa do padre”, como se a sacralização de qualquer pessoa pudesse não ser excessiva.
O clericalismo – a idolatria do clero, o culto da instituição, o abuso de poder – foi novamente posto a nu, e desta vez não era apenas uma trahison des clercs, mas de leigos também: “desvios de autoridade” endémicos, culturais, sistémicos, como Sauvé afirmou, que pareciam assentar nas próprias estruturas da Igreja Católica.
No caffé lungo em frente aos escritórios sinodais no 34 da Via della Conciliazione, a Ir. Nathalie também abordou o relatório Sauvé. Segundo ela, uma “conversão sinodal” significa que não podemos ter mais uma Igreja que permita o tipo de cultura de dominação vergonhosamente exposta no relatório. Uma Igreja na qual as pessoas comuns são ouvidas e se reconhecem como capazes – como discípulas missionárias, distintas do clero por função, mas iguais em dignidade – já não é uma Igreja que permite ou é cega frente ao abuso de poder e de consciência do qual depende a exploração sexual de pessoas vulneráveis.
“Não há necessidade de criar outra Igreja”, disse o Papa Francisco na Sala do Sínodo no dia 9 de Outubro, citando o livro “Verdadeira e falsa reforma na Igreja”, de Yves Congar. A tarefa, em vez disso, é “criar uma Igreja diferente”, a Igreja reimaginada pela Lumen gentium do Concílio Vaticano II. Uma Igreja Católica sinodal ainda é uma communio hierarchica, mas a autoridade já não é exercida de forma remota e autoritária. A liderança torna-se “co”: uma questão de colaboração, cooperação e corresponsabilidade (isso é algo fácil para os jovens, diz a Ir. Nathalie, que trabalhou com eles durante anos. Ela apelida-os de “Geração Co”). Numa Igreja corresponsável, o Espírito guia-nos a todos; o padre e o bispo estão no meio do povo de Deus, não a pairar sobre eles. É a Igreja fundada por Jesus Cristo, mas que também o reflecte: já não abusiva, já não clerical, mas sinodal.
E então veio-me isto à cabeça: os historiadores irão olhar para 2021, verão o acumular de escândalos e de disfunções, e irão contar como um Papa jesuíta – auxiliado por uma dinâmica Irmã missionária Xaveriana francesa – deu início a uma vasta reforma, centrada em redespertar a adormecida tradição católica da sinodalidade. Apontando para a reforma Gregoriana do século XI, de inspiração monástica, ou para a revolução Franciscana do século XIII, ou para os jesuítas da Contra-reforma, os historiadores irão ver um novo capítulo numa velha história, repetida tantas vezes ao longo da história da Igreja, sobre as ordens religiosas que novamente vêm em socorro de uma Igreja diocesana repleta de crises.
Há a confiança também de que o povo de Deus, ao longo do tempo, ouvirá o chamamento de reunir-se em assembleia. E, quando o fizer, falará com franqueza e ouvirá com atenção, e, de alguma forma, apesar de todas as resistências e obstáculos, não surgirá outra Igreja, mas sim uma Igreja diferente. Adsumus Sancte Spiritus.
Portanto, não é de surpreender se o bispo e o pároco parecem estar a agir com irritação neste novo processo sinodal, tentando ao máximo encolher os ombros. Afinal, foi assim que a maior parte da Igreja secular respondeu no início à Reforma Gregoriana.
Para minha grande surpresa, fui convidado para ir à própria Sala do Sínodo na manhã do dia 9 de outubro, juntamente com cardeais da Cúria com os seus solidéus vermelhos, poucos bispos diocesanos (cada continente foi convidado a enviar uma delegação de dez), e muitos religiosos e leigos, muitos deles jovens. Nos nossos apoios de braço estavam os microfones e os auscultadores de ouvido que os bispos usam nos sínodos para “falar com franqueza e ouvir com atenção”, como Francisco os instruiu a fazer no início do Sínodo da Família em Outubro de 2014.
Apesar de ser uma semana invulgarmente pesada, o Papa estava em excelente forma. Lembrou-nos que o Sínodo não é um parlamento ou uma pesquisa de opinião, mas um “evento eclesial cujo protagonista é o Espírito Santo”. Fez algumas considerações de eclesiologia conciliar: as três palavras-chave deste Sínodo – comunhão, participação e missão – são intrínsecas à Igreja regenerada pelo Vaticano II, das quais as duas primeiras reflectem a vida da Trindade, e a terceira reflecte o compromisso apostólico com o mundo de hoje que flui a partir daí.
Mas, depois, Francisco debruçou-se sobre uma das palavras-chave em particular. Sem participação, disse ele, a sinodalidade corre o risco de permanecer abstracta e “os discursos sobre a comunhão correm o risco de permanecer como piedosas intenções”. Sem “envolvimento real” – manifestando-se, falando, sendo ouvido, agindo – a sinodalidade permanece no papel.
A participação, disse ele, não é uma questão de forma, mas de fé. O que acontece no baptismo é a atribuição da “igual dignidade aos filhos de Deus”. O baptismo, portanto, exige que participemos na vida e na missão da Igreja, em toda a diversidade dos seus carismas e ministérios.
No entanto, 50 anos depois do Concílio, Francisco sabe que não é o que acontece. Apesar de alguns avanços, “há uma certa resistência”, disse. Reconhecendo “o incómodo e a impaciência de muitos agentes de pastoral, dos órgãos de participação das dioceses e das paróquias e das mulheres, que frequentemente ainda estão à margem”, acrescentou que a participação de todos é uma “obrigação eclesial essencial”.
Fiquei impressionado com as expressões: a obrigação é a de que a Igreja permita a participação. A falta de participação do povo de Deus é o resultado não da sua relutância, timidez ou acédia, por outras palavras, mas de uma Igreja que muitas vezes lhes nega agência.
A participação, disse ele, não é uma questão de forma, mas de fé. O que acontece no baptismo é a atribuição da “igual dignidade aos filhos de Deus”. O baptismo, portanto, exige que participemos na vida e na missão da Igreja, em toda a diversidade dos seus carismas e ministérios.
Mais tarde, no discurso, falando das graças deste processo sinodal em todo o mundo, Francisco voltou ao mesmo ponto: agora é a oportunidade, disse ele, para avançar “não ocasionalmente, mas estruturalmente” rumo a uma Igreja sinodal, que definiu como “um lugar aberto onde todos se sentem em casa e podem participar”.
Esta crítica não foi retomada nos outros discursos, que acentuaram o convite à participação, mas passaram por cima dos obstáculos eclesiais para fazer tal coisa. “Todo o povo de Deus está a ser chamado, pela primeira vez, a participar de um Sínodo dos Bispos”, disse Cristina Inogés Sanz, teóloga espanhola, “e também estão incluídos no convite aquelas pessoas a quem não sabíamos como ouvir, que foram embora sem que percebêssemos que tinham partido – elas também são convidadas a fazerem ouvir as suas vozes, a enviar-nos as suas reflexões, as suas preocupações, a sua dor”.
O presidente do Sínodo, ou relator geral, o cardeal jesuíta de Luxemburgo Jean-Claude Hollerich, que tem a tarefa de resumir as respostas, disse que as páginas do futuro documento de trabalho estavam em branco e que não tinha ideia do que escreveria. “Cabe-vos preenchê-las”, disse-nos, sublinhando que “todos podem participar, especialmente os mais pobres, os sem voz, os da periferia”. Mas ninguém notou o “como” na pergunta que Francisco gentilmente levantou: como é que as estruturas da Igreja precisariam de mudar para facilitar a participação de todo o corpo.
A meio da manhã, surgiu a oportunidade de modelar o método sinodal, quando nos dividimos em pequenos grupos linguísticos pré-designados de cerca de 20 pessoas cada um, constituídos por autoridades da Cúria (havia três chefes de dicastério no meu grupo inglês “E”), bispos diocesanos, religiosos radicados em Roma, um convidado ecuménico e leigos de vários tipos. O nosso facilitador convidou-nos a falar sobre como o “caminhar em conjunto” aconteceu (ou não) na nossa Igreja local, e as nossas esperanças e temores para o processo sinodal global.
A construção através da oração e da escuta nos processos levou a uma maior consciencialização em relação às margens, a mais união e alegria, e a uma maior humildade. Elas falaram da tentação do mundanismo, de cair numa tentativa autoritária de apresentar uma face externa de uniformidade e eficiência, em vez de aceitarem os seus conflitos e incertezas, e de aguardar no Espírito para que as respostas surgissem.
O método foi interessante. Depois das apresentações, reflectimos em silêncio por cinco minutos, preparando as nossas sugestões. Cada pessoa falou por um tempo máximo de três minutos. Depois, vieram mais cinco minutos de reflexão silenciosa. Então, depois de reler as suas anotações, cada pessoa partilhou por mais dois minutos tudo o que se havia iluminado ou ressoado nelas (a orientação que recebemos de antemão convidava-nos a levar em consideração que o Espírito parecia estar a chamar-nos, que caminhos estavam a ser abertos e a notar “movimentos espirituais internos” de alegria ou de tristeza, de ansiedade ou de confiança, de consolação ou de desolação). Por fim, houve um tempo livre de cerca de 20 minutos para “discernir e elaborar a síntese”, que seria redigida como um verbale a ser enviado à Secretaria do Sínodo.
Foi surpreendente que as autoridades do Vaticano – cardeais e bispos – ofereceram frases teológicas de impacto, enquanto os religiosos e leigos falaram de experiências. As frases de impacto eram boas: Francisco estava a dar a permissão para que a Igreja fosse o que a Lumen gentium previra; a sinodalidade era o antídoto para o individualismo e a divisão tribal; tínhamos agora a hipótese de recuperar a forma original de “ser Igreja”, permitindo que as decisões surjam a partir de baixo.
Mas as experiências eram muito mais atraentes, especialmente aquelas das Irmãs religiosas que descreveram os esforços das suas ordens para se tornarem mais sinodais na sua forma de governar e de tomar decisões. Isso significava, segundo elas, uma mudança de mentalidade e de cultura, aceitando um maior grau de incerteza e de tensão que gerava desconforto em muitas delas.
No entanto, a construção através da oração e da escuta nos processos levou a uma maior consciencialização em relação às margens, a mais união e alegria, e a uma maior humildade. Elas falaram da tentação do mundanismo, de cair numa tentativa autoritária de apresentar uma face externa de uniformidade e eficiência, em vez de aceitarem os seus conflitos e incertezas, e de aguardar no Espírito para que as respostas surgissem.
O Papa decidiu reunir o povo de Deus agora, para convidá-lo ao processo sinodal como sujeitos de discernimento, porque vislumbrou um kairós, um tempo oportuno. Depois de mais de um ano de temeroso autoisolamento e de igrejas fechadas, que momento seria melhor para reunir os fiéis para ouvir o Espírito?
Enquanto falavam, parecia óbvio que a sinodalidade e a santidade estavam entrelaçadas, que uma Igreja sinodal reflecte melhor, como Francisco acabara de nos dizer, “o estilo de Deus, que é proximidade, compaixão e ternura”. No meu pequeno grupo, não vi nenhuma língua de fogo. Mas, ao rever a experiência depois, ela parecia autêntica, como se essa fosse a forma como a Igreja deveria ser: em que cardeais, bispos, religiosos e leigos se escutam como iguais num “lugar aberto onde todos se sentem em casa e podem participar”.
E então, quase repentinamente, senti-me triste ao pensar em como muitas das nossas dioceses e paróquias estão distantes dessa cultura, e como as muitas estruturas não sinodais da Igreja se iriam logo activar para lhe resistir.
Na manhã seguinte, em São Pedro – a minha primeira missa papal em mais de um ano devido à Covid –, Francisco abriu oficialmente o Sínodo. Foi algo suavemente alegre, esperançoso, mas sem fanfarra. A leitura do Evangelho era sobre o encontro de Jesus com um homem rico na estrada. Jesus, disse Francisco na sua habitual homilia centrada em três palavras, encontrou-o, ouviu-o e ajudou-o a discernir o que devia fazer. O mesmo acontece neste processo sinodal: precisamos de estar presentes em relação aos outros, ouvir com o coração e não julgar.
“Não insonorizemos os nossos corações; não nos blindemos dentro das nossas certezas”, insistiu. Jesus chama-nos, assim como chamou o jovem rico, “a esvaziarmo-nos, a libertarmo-nos daquilo que é mundano e também dos nossos olhares para dentro e dos nossos modelos pastorais repetitivos, a interrogar-nos sobre o que Deus nos quer dizer neste tempo”.
No dia anterior, no seu discurso sinodal, Francisco havia mencionado a negligência em relação à Adoração e voltou a mencioná-la de novo, na sua homilia, na qual falou sobre a importância de “dedicar tempo à Adoração”. A repetição incomodou-me. Porquê insistir nessa forma de oração que lhe é tão querida – pratica-a todas as noites às 21h00, sem falta – em relação ao Sínodo? Então, dei-me conta: a adoração é a oração sinodal por excelência, porque é onde despertamos para a nossa “agência”. Quando estamos presentes a Jesus, em comunhão com Ele na Eucaristia, somos conhecidos, reconhecidos e amados. Participamos.
Assistindo às reuniões da comissão durante os dias seguintes, não pude deixar de me impressionar com a fragilidade da infraestrutura do Sínodo em comparação com a escala da sua ambição. Nenhuma organização secular ousaria lançar um empreendimento tão grande com tão poucos recursos e tão pouca preparação. A minúscula equipa de liderança do Sínodo, recentemente fortalecida por um experiente director de comunicação, Thierry Bonaventura, é excelente e conta com o apoio de quatro comissões: espiritualidade, teologia, metodologia e comunicação. Mas a maioria dos membros da comissão está a encontrar-se pessoalmente pela primeira vez agora, e a escala daquilo que precisa de ser feito parece absurda.
Na comissão de comunicação, conversamos sobre os desafios, a começar pela terminologia pouco familiar. Como definir um Sínodo quando ele é, ao mesmo tempo, a instituição estabelecida em Roma e o processo que acaba de ser lançado? Como comunicar que se trata de um processo de transformação, uma conversão sinodal cujo fruto é uma mudança de cultura, enquanto, ao mesmo tempo, se comunica que é um processo incondicional, aberto às solicitações do Espírito? Como explicar que, apesar de tudo poder ser discutido, apenas os bispos votam e apenas o Papa decide? Como lidar com as falsas expectativas e os medos descabidos?
Trabalhamos duro, elaboramos documentos, levamos as equipas de filmagem vaticanas para fazerem entrevistas com os membros da comissão de metodologia. Mas parece incrível estar a fazer-se tudo isto dias antes de a fase diocesana começar.
Mesmo assim, no almoço do dia seguinte, quando uma autoridade vaticana veterana me disse que é tolice o Papa lançar um processo tão ambicioso durante aquilo a que chamou de “capítulo em declínio” do pontificado, eu discordei vigorosamente. Francisco tem construído isso ao longo dos últimos oito anos, ou seja, ensinando-nos a sinodalidade em discursos e documentos, e nas reuniões de bispos, para lidar com grandes temas como a família, os jovens e a Amazónia.
A adoração é a oração sinodal por excelência, porque é onde despertamos para a nossa “agência”. Quando estamos presentes a Jesus, em comunhão com Ele na Eucaristia, somos conhecidos, reconhecidos e amados. Participamos.
O Papa decidiu reunir o povo de Deus agora, para convidá-lo ao processo sinodal como sujeitos de discernimento, porque vislumbrou um kairós, um tempo oportuno. Depois de mais de um ano de temeroso autoisolamento e de igrejas fechadas, que momento seria melhor para reunir os fiéis para ouvir o Espírito? De um ponto de vista mundano, parece impossível, mas quem está no comando aqui? Como foi quando São João XXIII anunciou o Concílio Vaticano II?
No dia seguinte, numa reunião conjunta das comissões na Cúria jesuíta, as tensões vieram à tona. Os teólogos – há alguns grandes nomes aqui – temem não terem recebido um mandato claro para desenvolver uma teologia da sinodalidade. Alguns dos membros da espiritualidade estão preocupados com o facto de essas reuniões serem insuficientemente sinodais. Como desenvolver um habitus sinodal com reuniões tão longas e cheias de conteúdo? Essas frustrações fazem parte da experiência sinodal, que é sempre, como diz um jesuíta, uma “corrida contra o tempo”.
Em nenhum lugar isso é mais verdadeiro do que naquela que será a tarefa extremamente complexa de destilar o que foi dito e experimentado. Os latino-americanos, que fazem isso desde 1968, dizem que, embora seja importante ser criativo na síntese, a tarefa principal é ser fiel ao que se recebe, procurar as “pérolas preciosas” na linguagem do povo. O que é necessário, diz um teólogo, é o Homo sinodalis: pessoas de coração sinodal, que facilitem em vez de imporem, que conseguem perceber a emergência da “coisa nova” que o Espírito está a chamar.
Não há ilusões aqui. Um slide de PowerPoint lista os obstáculos: a falta de interesse e de consciência, a escassez de informações e de habilidades, os desafios de infraestrutura das dioceses das nações pobres, a enorme tarefa de reunir de alguma forma os grupos paroquiais e, ao mesmo tempo, de ir ao encontro dos feridos, dos afastados e dos descontentes.
E, no entanto, esta não é uma reunião ansiosa. As intervenções são bem-humoradas e confiantes. Há alegria aqui, uma fé calma de que tudo ficará bem, de que uma Igreja sinodal – tensa, confusa, humilde, mas um lugar aberto para todos – é o que Deus pede ao catolicismo no terceiro milénio.
Há a confiança também de que o povo de Deus, ao longo do tempo, ouvirá o chamamento de reunir-se em assembleia. E, quando o fizer, falará com franqueza e ouvirá com atenção, e, de alguma forma, apesar de todas as resistências e obstáculos, não surgirá outra Igreja, mas sim uma Igreja diferente. Adsumus Sancte Spiritus.
Artigo de Austen Ivereigh, publicado em Commonweal a 21 de Outubro de 2021.